Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 23/12/2025
Marco Abundância 23/12/2025
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
A galinha-do-mato e o Natal
José Eduardo Agualusa, no seu livro infantil “A girafa que comia estrelas”, escreveu que a Dona Margarida, uma galinha-do-mato, “Pensava, pensava e depois dizia coisas óbvias, que já toda a gente sabia, como se ela as tivesse inventado.”
Ao ler esta descrição – vá-se lá perceber porquê -, vieram logo ao meu pensamento inúmeros comentadores que enxameiam os órgãos de comunicação social e as redes sociais com as suas análises e conclusões mais ou menos óbvias, quando não com verdadeiros disparates, como se tivessem resultado de aprofundados estudos.
Mas a Dona Margarida, que vivia nas nuvens, um dia, depois de espreitar o mundo lá de cima e pensar muito, concluiu que “os homens são animais estranhos: vivem empoleirados uns em cima dos outros, em grandes galinheiros. / Estão sempre à pressa, correm o tempo todo, como formigas, de um lado para o outro, e acham que são felizes assim.”
Apesar de ser uma observação feita por uma galinha, não me parece que seja muito desfasada da realidade da sociedade dos nossos dias… E essa realidade é tão surreal que até uma galinha-do-mato não muito inteligente consegue estranhar.
Há mais de dois mil anos – 2025, mais precisamente como conta a História -, um carpinteiro juntou-se com uma mulher solteira grávida e, como não tinham casa e não encontraram um local mais adequado para ela parir, o parto acabou por ter lugar num estábulo.
Tendo tido lugar, segundo o que se conta, há mais de dois mil anos, parece a descrição de uma cena dos nossos dias. Quantas pessoas não juntam os trapinhos em condições semelhantes às descritas? Quantos casais não têm casa para viver? Quantas mulheres não acabam por parir em ambulâncias ou até mesmo na rua? E, pior do que tudo, quantas guerras, quantos conflitos, quantas perseguições e outros atropelos aos direitos humanos e das crianças não têm lugar naquela mesma região do Mundo, com o argumento da defesa dos seus povos e na expectativa de que um salvador os salve da miseráveis condições em que vivem?
E é assim que, decorridos mais de dois milénios, continuamos com problemas semelhantes, senão mais complexos e graves ainda, que até uma galinha consegue vislumbrar, sem que para eles a sociedade actual consiga encontrar as respostas mais adequadas, apesar dos enormíssimos progressos científicos, técnicos e tecnológicos.
Parece que, ao contrário do que seria de esperar e é prometido, quando a ciência dá novos passos em frente, permitindo abrir novos caminhos técnicos com novos meios tecnológicos, mais do que de resolver problemas e satisfazer necessidades do Mundo e das pessoas, agrava alguns e cria novos e mais complexos problemas.
Nos meus tempos de jovem aluno de francês, brincávamos com uma frase que nunca mais esqueci e que parece mostrar a realidade que somos: “La vie est belle mais les hommes donnent cabe d’ elle”.
Se a vida na Terra não é bela é porque os homens que a habitam dão cabo dela. É o que se verifica com o ambiente, que insistimos e persistimos em destruir apesar de já estarmos a sentir as graves consequências que daí resultam, e com as guerras e outros conflitos armados que tantos mortos e estropiados e destruição provocam.
É a guerra em vez da paz, é a competição em vez da cooperação, é o ter em vez do ser, é a ganância em vez da solidariedade, é a discriminação em vez da igualdade, é o consumo desregrado em vez do consumo responsável que são fomentados cada vez mais, ao arrepio do que a história e o bem estar da Humanidade aconselham.
Estamos em vésperas de Natal, época em que se assinala o renascimento do sol, com o solstício de Inverno a ser celebrado pelos pagãos, e o nascimento de Jesus pelos cristãos, misturando celebrações e a ideia de amor, união e renascimento da vida.
Mais do que nos esfalfarmos em correrias de loja em loja, físicas ou na Internet, à procura do que mais comprar, do que mais consumir, como se pode verificar no que o Natal se transformou numa breve consulta da palavra Natal no Google, talvez nos devêssemos unir e empenhar mais na defesa de um desenvolvimento sustentado e integral, dos direitos humanos, da paz e da igualdade de oportunidades.
Pensem nisso! Até para a semana! LG, 23/12/2025
