Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 31/10/2023
Marco Abundância 31/10/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
Guerra e paz
“Estou impressionado com a retórica e as ações de tantos líderes e governos ocidentais, com a exceção particular do Governo da Irlanda, que pela primeira vez estão a fazer a coisa certa. Os crimes de guerra são crimes de guerra mesmo quando cometidos por aliados, e devem ser denunciados pelo que são”. Estas palavras, que traduzem o que devia ser uma evidência, escritas, a 13 de Outubro, na rede social X (antigo Twitter), obrigaram Paddy Cosgrave, o irlandês-americano que foi um dos cofundadores da Web Summit, a demitir-se daquela organização, após Google, Meta e Amazon, para além de outros ‘gigantes’ da indústria tecnológica, cancelarem a sua participação no evento. Semelhante e maior polémica e pelos mesmos motivos gerou um discurso de António Guterres, o secretágio-geral da ONU.
Assim está a nossa casa comum. Quem não afina pelo diapasão dominante é imediatamente atacado, rotulado e excluído. Como se todos tivéssemos de ver o mundo e encarar a vida da mesma forma, como se a diversidade, com respeito mútuo, não nos enriquecesse.
Andamos, individual e colectivamente, muito sensíveis e susceptíveis. Sentimo-nos incomodados, beliscados e ofendidos por quaisquer palavras que não traduzam exactamente o que sentimos ou queremos. Quando devíamos procurar a diversidade, o que nos diferencia para nos questionarmos e consolidarmos o que somos, o que pensamos e o que queremos ou mudarmos em função do que acharmos que está menos correcto ou que nos pode fazer melhores.
Estamos a pagar o que semeámos. Em vez de termos uma educação cada vez mais inclusiva, orientada para sermos boas pessoas, humanas e respeitadoras das outras, temos, em muitos casos, uma educação orientada para a competição, não connosco próprios mas com os outros, onde o que só interessa é chegar o mais alto possível, sem olhar a meios nem aos problemas causados aos outros e à sociedade em geral.
Em vez de valorizarmos as pessoas como seres humanos, tratamo-las como números, como recursos, em função do interesse que têm para as famílias, as empresas ou outras organizações sociais, económicas ou políticas, sendo, tantas vezes, tratadas como descartáveis e descartadas quando deixam de ter utilidade.
São as sociedades que privilegiam o ter ao ser, do subir a pulso não tanto pelo que se é mas pelo que se consegue, independentemente dos meios, que se estão a impor e a dominar, cada vez mais o mundo. É o eu em detrimento do nós e o nós contra os outros. Os outros são tolerados enquanto nos são úteis e submissos. Temos dificuldades em colocar-nos na posição do outro, na perspectiva do outro, tentando percebê-lo, compreendê-lo e aceitá-lo tal como é e não apenas como queremos que seja e nos seja útil.
Tudo serve para competirmos uns contra os outros, em vez de competirmos connosco próprios e com os outros para melhorarmos o que é de interesse comum, nesta casa comum que é o mundo em que vivemos. Esquecemo-nos tantas vezes de que esta casa comum é um espaço limitado, com recursos igualmente limitados e que todos nós, para a preservarmos e mantermos um ambiente saudável e sociável, devemos respeitá-la e respeitar-nos uns aos outros, na diversidade, na pluralidade, na sã convivência e na sustentabilidade ambiental, económica e social.
É nestas coisas, simples mas que parecem tão complexas e difíceis de entender, principalmente pelos que mais podem e mais mandam, que devemos reflectir mais, de forma a concluirmos se estamos a trilhar os melhores caminhos para as nossas vidas, enquanto indivíduos, famílias ou sociedades e para mantermos o mundo como a nossa casa comum habitável e em condições de o podermos entregar aos nossos vindouros melhor do que os nossos antepassados nos legaram.
Esta deve ser a nossa ambição maior: sermos melhores, podermos fazer melhor para termos um mundo melhor e deixarmos um mundo melhor ainda aos que vêm a seguir.
Se assim for, certamente que é mais fácil evitarmos as guerras e preservarmos a paz, seja no quotidiano pessoal, familiar ou das sociedades. Basta sermos mais humanos e valorizarmos mais os direitos humanos, designadamente dos que enfrentam maiores fragilidades e das crianças em particular.
Pensem nisso! Até para a semana!
LG, 31/10/2023