Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 26/03/2024
Marco Abundância 26/03/2024
A crónica de Lopes Guerreiro
Coabitação de oito anos chega ao fim
Com a tomada de posse do novo governo termina uma das mais longas coabitações entre um governo e um Presidente da República eleitos por maiorias políticas distintas. E certamente terá sido a menos conflituosa e marcada até em muitas circunstâncias por manifestações de apoio e solidariedade recíprocas, designadamente em períodos muito críticos como o da pandemia e o da austeridade.
Naturalmente, como frequentemente acontece noutras, também esta coabitação foi dando sinais de algum desgaste nos últimos tempos, o que poderá ter sido causado, também, pela conquista da maioria absoluta por António Costa, o que gerou alguma instabilidade no equilíbrio de poderes entre o governo e o Presidente da República.
Isso tornou-se mais ou menos evidente nalgumas situações como a manutenção de João Galamba como ministro, apesar da discordância do Presidente da República, ou o desagrado manifestado por este relativamente aos problemas surgidos com vários membros do governo, entre muitas outras situações.
Marcelo Rebelo de Sousa não gostou de ter perdido poder para a Assembleia da República e o governo, devido à maioria absoluta conquistada pelo PS, e avisou logo que iria estar mais atento, vigilante e actuante. E assim fez.
António Costa, apesar de ter afirmado que maioria absoluta não significava poder absoluto, rapidamente enveredou por uma postura de autossuficiência, ouvindo e dialogando menos e impondo mais a sua vontade. Passou a dedicar-se mais aos grandes projectos, aos grandes programas, às questões internacionais, às contas certas e a manifestar menos paciência para os problemas do quotidiano das pessoas.
Na prática, caiu um pouco na máxima de Luís Montenegro, quando era líder da bancada parlamentar, de que Portugal estava melhor a vida dos portugueses é que estava pior. E assim se foi pondo a jeito e foi responsabilizado por ter desbaratado a maioria absoluta em menos de dois anos e contribuído para a derrota eleitoral do PS.
A nova posição do PS, assumida por Pedro Nuno dos Santos, relativamente à necessidade e urgência de resolver problemas da função pública, designadamente dos professores, dos médicos e demais pessoal da Saúde, dos polícias ou na Justiça, entre outros, que se arrastaram e cuja contestação tanto contribuiu para a acelerada quebra de popularidade do governo, e um saldo positivo de 3,2 mil milhões de euros nas contas públicas de 2023 mostram como aqueles problemas, entre outros, podiam ter sido resolvidos sem por em causa as contas certas.
A teimosia e a obsessão pelas contas certas de António Costa penalizaram os portugueses, que, por isso mesmo, retribuíram, penalizando o PS, e a esquerda, nas urnas. E é esta, pelo menos para já, a principal imagem que ficará de António Costa.
António Costa enquanto foi obrigado a ter humildade democrática por depender dos seus parceiros da esquerda que lhe deram a mão para governar, correspondeu às expectativas, recuperou o país e as condições de vida dos portugueses. Com a maioria que os portugueses lhe deram, responsabilizando os parceiros da esquerda pelo fim da “Geringonça”, assumiu o “posso, quero e mando” e distanciou-se do país real, designadamente dos que mais decisivamente contribuíram para a maioria absoluta.
E foi neste jogo de poderes que Marcelo Rebelo de Sousa se riu, no fim, do seu brilhante antigo aluno, que afinal de contas parece não ter percebido o mais básico da política, que esta é muito mais do que a aritmética dos votos. António Costa, qual novo rico, deixou-se inebriar pela maioria absoluta, esquecendo-se de que esta , como qualquer outra riqueza, principalmente a conseguida sem se contar com ela, precisa de ser bem gerida para não se perder mais depressa do que foi alcançada.
E Marcelo Rebelo de Sousa tem agora razões para se rir, não só porque teve oportunidade de lembrar ao antigo aluno quem é o professor mas também porque conseguiu ter o seu partido no governo antes de terminar o seu mandato. Vamos ver como vão ser agora as relações entre o Presidente da República e o governo da mesma família política, e se este se vai aguentar até ao final do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, e se o vai conseguir sem se prostituir com o Chega.
São tempos interessantes e ricos para a análise política os que aí vêm. Esperemos que não contribuam para empobrecer mais os portugueses…
A ver vamos. Até para a semana! LG, 26/03/2024