Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 23/07/2024
Marco Abundância 23/07/2024
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
Mais valia ter continuado calada
A Procuradora Geral da República deu uma entrevista à RTP. O que devia ser uma rotina – informar e esclarecer o País da acção desenvolvida pelo Ministério Público -, foi notícia, porque teve lugar pela primeira vez a poucos meses do final do mandato, depois de ter sido solicitada a sua presença na Assembleia da República e de ter sido pressionada a fazê-lo por diversos sectores e individualidades.
Isto depois do Ministério Público ter mobilizado os maiores meios de sempre em grandes e aparatosas operações, filmadas em directo por canais de televisão, que nos mostraram, essas operações, como se de filmes policiais se tratassem.
E isto depois também – e não é de somenos… -, de tais operações de investigação terem contribuído para as demissões do primeiro-ministro e do presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, para além da detenção de governantes, um autarca, empresários e assessores para interrogatórios, que chegaram a levar semanas, e que foram de seguida mandados para casa pelos juízes, que consideraram não haver justificações para os manter presos, mesmo que nos seus domicílios.
Lucília Gago, a Procuradora Geral da República, começou esta muito esperada entrevista à defesa, encenando o papel de vítima e tentando justificar as questões que mais polémica têm gerado, passando a um crescente de afirmação da bondade da sua prestação bem como da do Ministério Público, e terminou-a a disparar em todas as direcções, contra todos os que se têm atrevido a criticá-los.
Muitos dos argumentos que usou na entrevista mostraram-se contraditórios, e justificando pouco ou mal as explicações que foi apresentando para os diversos casos.
Afirmando que a justiça não pode ter “dois pesos e duas medidas” para justificar o célebre parágrafo que levou António Costa a pedir a demissão de primeiro-ministro, não só não procedeu da mesma maneira em qualquer outro processo de qualquer outro cidadão como a sua acção parece ter violado o segredo de justiça.
Recusou as acusações de golpe de Estado que surgiram na sequência do processo, lembrando que as consequências retiradas do comunicado foram as que resultaram da avaliação política que António Costa fez e disse que não se sente responsável pela demissão do primeiro-ministro, revelando desconforto, perplexidade e surpresa pelas declarações do Presidente da República, de considerar maquiavélico a coincidência de datas na abertura de inquéritos da Operação Influencer e do caso das gémeas luso-brasileiras, e que ficou incrédula e perplexa com as declarações da ministra da Justiça, que se juntam “a muitas outras que imputam ao Ministério Público o exclusivo da responsabilidade pelas coisas más que acontecem no território da justiça”, o que rejeita em absoluto, concluindo que “há de facto uma campanha orquestrada” contra ela e o Ministério Público por parte de pessoas que têm ou tiveram “responsabilidades de relevo na vida da nação”.
Sobre o tempo excessivo de detenção de arguidos limitou-se a dizer que lamentava que isso tivesse acontecido, o que também se deveu a greves dos oficiais de Justiça… Embora reconhecendo que “não é desejável nem comum” que as escutas telefónicas se prolonguem por tanto tempo, justificou-as com “autorizações de continuação” por parte de magistrados judiciais…
Lucília Gago contestou ainda que estes casos ponham em causa a confiança do Ministério Público, embora pense “que a imagem da Justiça sai muito fragilizada”.
Ou seja, Lucília Gago mostrou-se surpreendida e incompreendida, considerando que a discrição é bem melhor do que o espalhafato, afirmando que não tem o culto da imagem, nem precisa de popularidade ou de estrelato e reafirmando que não se sente responsável por coisa alguma, porque a nossa magistratura tem níveis hierárquicos sucessivamente estabelecidos até se chegar à Procuradora Geral da República, pelo que não pode assumir por inteiro a responsabilidade dos processos.
Parece-me que, ao se colocar num pedestal na sua torre de marfim em vez de descer à Terra e tentar perceber o que se passa cá fora, Lucília Gago perdeu uma boa oportunidade de esclarecer as muitas dúvidas e críticas à sua actuação e à do Ministério Público e acabou por adensá-las ainda mais, gerando a dúvida se não teria sido preferível, para ela e para o Ministério Público, ter continuado calada.
Até para a semana! LG, 24/07/2024