Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 23/04/2024
Marco Abundância 23/04/2024
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
O PREC ou a contra-revolução?
Meio século depois, recordamos o país que Portugal era antes da Revolução do 25 de Abril, as portas que este abriu e algumas das quais que voltaram a ser encerradas.
Portugal, governado por uma ditadura durante 48 anos, era um país muito atrasado e fechado ao mundo.
Não haviam liberdades de expressão, de imprensa, de reunião, sindical, nem quaisquer outras. Tudo e todos eram vigiados e controlados pela polícia política e por uma rede de bufos. E quem ousava criticar o regime e os seus representantes arriscava ser preso, torturado e até morto, como aconteceu a alguns anti-fascistas.
Nas últimas décadas muitos foram obrigados a emigrar, por não conseguirem arranjar cá trabalho, e muito menos com direitos e garantias. E muitos dos que cá ficaram, principalmente as mulheres, apenas conseguiam trabalho precário e nalgumas épocas do ano. A pobreza e a miséria eram generalizadas. O trabalho infantil era explorado por empregadores e utilizado como fonte de rendimento para as famílias.
Não havia saneamento básico em quase todas as aldeias e em muitos bairros em vilas e cidades. Muitas famílias viviam em barracas ou em casas sem quaisquer condições, dormindo amontoados no mesmo espaço e até na mesma cama, sem privacidade.
Praticamente não haviam serviços públicos de saúde e quem não tinha dinheiro não tinha acesso a assistência médica. A mortalidade infantil era das maiores da Europa.
O ensino, dito obrigatório, apenas era assegurado até à quarta classe. Poucos tinham acesso ao ensino secundário e muito menos ao ensino superior.
Desde o início dos anos sessenta o governo manteve um guerra nas ex-colónias, que, para além de consumir muitos dos escassos recursos do País, provocou muitos mortos, feridos e traumatizados nos jovens obrigados a nela participar. Alguns, para nela não participarem, exilaram-se no estrangeiro, de onde só regressaram depois do 25 de Abril. A grande maioria dos jovens, quando chegava a altura de serem incorporados nas forças armadas, vivia o drama de irem fazer uma guerra injusta e em que não queriam participar ou fugir, para não terem de violar a sua consciência.
O arrastar da guerra e a tomada de consciência por cada vez mais militares de quanto era injusta e das suas consequências para o País, que cada vez mais se isolava e atrasava em relação aos outros, e ainda problemas relacionados com as suas carreiras, levaram um grupo alargado de militares a criar o Movimento das Forças Armadas, que derrubou o regime fascista e, com o apoio espontâneo, imediato e generalizado do Povo, iniciou a Revolução do 25 de Abril.
Derrubada a ditadura, foi nomeado um governo provisório com o compromisso de restaurar as liberdades, soltar os presos políticos, extinguir a PIDE/DGS, acabar com a censura, e criar as condições para por fim à guerra e promover a descolonização, a democratização e o desenvolvimento do País.
Passados os primeiros dias de grande euforia e aparente unidade que teve o seu ponto alto nas comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade, começaram a surgir divisões sobre como, quando e até onde ir na concretização daqueles objectivos.
A dinâmica das lutas travadas pelos diversos sectores da população, com o maior ou menor envolvimento do Movimento das Forças Armadas, durante o PREC – Processo Revolucionário em Curso, ditou o caminho da Revolução, com avanços e recuos, e que terminou com a vitória, nas eleições gerais, dos que o tempo veio mostrar que apenas pretendiam a democracia política, com algumas preocupações sociais, mas sem prejudicar os “donos disto tudo”, que não precisaram de muito tempo para recuperar todo o seu poder.
Foi com os avanços mais profundos da Revolução, designadamente com a fixação do salário mínimo nacional e com as nacionalizações e a Reforma Agrária, que a maioria dos trabalhadores portugueses teve melhorias mais significativas nas suas condições de vida. Quem viveu esses tempos no Alentejo recorda-se da nova vida que ganharam as nossas aldeias, com o regresso de muitos emigrantes e o, quase, pleno emprego.
A Revolução do 25 de Abril abriu portas, que o PREC escancarou aos sonhos, às ambições e aos desejos das pessoas serem donas do seu destino, num país livre e democrático, mas também mais desenvolvido, mais inclusivo e menos desigual. Foram tempos de exercício da cidadania activa, em que todos quiseram participar. Foram cometidos excessos e erros, como acontece em todas as revoluções, mas sem a dimensão registada noutras.
Entretanto e bem depressa, a contra revolução venceu. Importa que cada um faça a sua avaliação sobre se a responsabilidade de não termos um país mais desenvolvido, mais inclusivo e menos desigual foi do PREC, que durou dois ou três anos, ou das políticas dos que têm governado deste então, há quarenta e oito anos.
Até para a semana!
LG, 23/04/2024