Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 22/10/2024

Marco Abundância 22/10/2024

A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.

 

A mudança necessária exige maior consciência social e luta

“Precisamos de uma mudança no modelo turístico para que deixem riqueza aqui, uma mudança para que valorizem o que esta terra tem”, disse uma dos milhares de pessoas que se manifestaram contra o crescente aumento de alojamentos turísticos que está a excluir a população das Ilhas Canárias do acesso à habitação.

Como se pode ver, lá como cá, os problemas são os mesmos. São o resultado de uma política que deixa ao mercado o poder de tudo resolver, com políticas que transformam direitos sociais em negócios, como é, neste caso, o direito à habitação.

O mesmo não se pode dizer das soluções apontadas. Lá, face à situação, vão avançar com medidas que tentem mitigar os problemas, tendo o Governo Regional das Ilhas Canárias elaborado uma lei, que estipula que os imóveis recém-construídos sejam excluídos do mercado de alojamento de curta duração e que os proprietários com autorização para alugar os imóveis tenham cinco anos para cumprir exigências, incluindo conceder aos vizinhos o direito de se opor às autorizações. Cá o novo governo anulou algumas medidas semelhantes, com o único objectivo de “libertar o mercado”, como se não tivéssemos provas suficientes do que é capaz de fazer o “mercado à solta”…

Não é apenas o modelo turístico, que ocupa casas que deviam servir de habitação permanente e esgota recursos naturais limitados nas regiões, como a água, e prejudica o ambiente, é o modelo de economia, é o sistema político-económico que está em causa, porque não olha a meios para aumentar os lucros do capital, designadamente o esgotamento dos recursos naturais e a sobre-exploração dos trabalhadores.

O mesmo se passa com outras actividades económicas, como a agricultura intensiva, por exemplo, que igualmente esgota recursos naturais, como a água, prejudica o ambiente, nalguns casos, sobre-explora os trabalhadores, sem lhes garantir condições com um mínimo de dignidade.

Infelizmente, por cá, mesmo tendo o exemplo do que os nossos vizinhos têm feito lá, nada ou muito pouco temos feito para evitar cometer os mesmos erros. E muitas vezes permitimos que sejam os mesmos que, depois de lá explorarem tudo o que havia para explorar, vêm para cá fazer o mesmo.

Por mais que repitam que os problemas só se resolvem com aumento de produção de riqueza, a vida mostra que o aumento da produção de riqueza sem uma melhor distribuição desta não só não resolve como agrava os problemas da coesão económica e social, das desigualdades, da exclusão social e da pobreza.

Os números da pobreza aí estão a confirmar o que todos sabemos: são pobres, correm o risco de pobreza e de exclusão social 11,3% das pessoas empregadas, quase metade (46,7%) dos desempregados e 18,7% dos reformados, havendo ainda a salientar o agravamento destas percentagens quando se trata de mulheres, jovens adultos ou pessoas com menos instrução.

Ou seja, este modelo político-económico, para além de estar a concentrar cada vez mais a riqueza produzida, não só não reduz a pobreza nem o risco de nela cair, nem a exclusão social, como reproduz as vítimas desses flagelos – os desempregados, mais de um em cada dez empregados, os reformados, ou seja os que trabalharam toda a vida, as mulheres, os jovens adultos e os menos instruídos.

Se insistimos do modelo que nos conduziu a esta situação e persistimos em aplicar as mesmas políticas a sectores como o do turismo ou da agricultura, do ambiente ou da habitação, da saúde ou da educação, bem podemos esperar sentados que os resultados sejam diferentes… Mas o pior que está a fazer este novo governo é não só aplicar as mesmas políticas mas agravá-las ainda mais, sempre com a promessa de que o “mercado à solta” e o crescimento económico tudo resolvem.

Precisamos de uma mudança no modelo político-económico, que valorize o que a terra tem, explore de forma sustentada os nossos recursos e distribua de forma mais equitativa a riqueza produzida, de forma a assegurar uma vida digna a todos. Isso só será conseguido com uma maior consciência social e luta pelos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Até para a semana!                                                                              LG, 22/10/2024

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