Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 21/11/2023

Marco Abundância 21/11/2023

A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.

Quanto pior melhor?

Esta parece ser a questão do momento, tantos são os exemplos de, perante situações más e complexas, os eleitores optarem por soluções simplistas,  apresentadas por salvadores das pátrias, que, normalmente agravam ainda mais as más situações.

Vamos ver se não será isso que vai acontecer agora, mais uma vez, na Argentina, onde tem sido frequente a alternância entre entre ditaduras e democracias e nas últimas décadas tem imperado o peronismo.

Entre um candidato do regime peronista e que era ministro das Finanças e um candidato que se apresentou como sendo um anarco-capitalista, libertário de extrema direita e ultra-liberal, ontem os argentinos optaram por este.

Javier Milei, o recém-eleito Presidente da Argentina, após terem sido conhecidos os resultados eleitorais, afirmou que “Termina uma forma de fazer política e começa outra” e que “Não há espaço para o gradualismo, não há espaço para a tibieza ou meias medidas”. E reafirmou algumas das suas grandes promessas eleitorais: reduzir o governo para 8 ministérios, acabando com os da Cultura, da Educação, que será completamente privatizada, do Ambiente, porque recusa a responsabilidade humana das alterações climáticas, das Mulheres, Género e Diversidade, usando e abusando de um  discurso machista, homofóbico e prometendo acabar com a lei do aborto; fechar o Banco Central da Argentina e substituir a moeda nacional, o Peso, pelo Dólar.

“Enfrentamos problemas monumentais: inflação, estagnação, ausência de empregos reais, insegurança, pobreza e miséria”, enumerou o Presidente eleito. O que retrata a situação que a Argentina vive: o Peso, a moeda nacional, sofreu uma enormíssima desvalorização passando de serem necessários 20 para comprar um dólar, antes da pandemia, para actualmente serem necessários mais de 1000 para comprar o mesmo dólar; uma inflação acumulada neste ano de cerca de 140%; 40% das pessoas  vivem abaixo do limiar da pobreza e mais de 9% em indigência total, sem rendimentos para assegurar a alimentação básica.

 

Face a esta dramática situação, compreende-se bem a vontade de mudança que os argentinos manifestaram e a que Javier Milei soube dar esperança, afirmando após as eleições que: “O modelo empobrecedor de castas acabou. Hoje [domingo] estamos a adotar o modelo de liberdade, para nos tornarmos novamente uma potência mundial”. “Termina uma forma de fazer política e começa outra”. Vamos ver se é isso que quer mesmo e se o vai conseguir, ou, pelo contrário, vai ainda piorar mais a já dramática situação daquele país da América Latina.

A Argentina tem a 22ª maior  economia do mundo, com um produto interno bruto de 600 mil milhões de dólares. Ou seja, não foi pela falta de produção de riqueza que 40% dos argentinos caíram abaixo do limiar de pobreza nem os mais de 9% não têm sequer para matar a fome. Foi sim pela má distribuição dela, concentrando grande parte na mão de uns quantos, os mesmos de sempre, e deixando para a grande maioria as sobras, forçando grande parte a viver na pobreza e na miséria.

Na semana passada fiz eco da questão de se saber se a crise que afecta tantos países é uma crise política ou de regime. Eu acrescento outra dúvida, a de se saber se não será mais uma crise do sistema. Neste momento, praticamente todo o mundo vive com um mesmo sistema económico, o capitalismo. Mesmo alguns que não são apresentados como tal, pelas suas práticas muito se lhe assemelham. Independentemente do regime político, o sistema económico, apresentado como o fim da história, é o mesmo. Não tem contrapontos. E é esse mesmo sistema económico que, tanta capacidade de adaptação revelou ao longo dos tempos, encontrando novas soluções para novos problemas, parece agora estar a enfrentar uma crise, que se tem vindo a agravar.

E esta crise resulta da ganância dos que quanto mais têm mais querem, não olhando a meios para o conseguirem nem se importando com os impactos ambientais nem com as crescentes desigualdades económicas, socais e regionais, que estão a gerar graves  alterações climáticas e tensões cada vez mais difíceis de gerir, como as guerras e outros conflitos e as imigrações descontroladas, evocando demónios adormecidos, como o racismo, a xenofobia e outras formas de discriminação e exclusão.

A América Latina tem-se apresentado como um rico e diverso laboratório de experiências políticas, económicas e sociais. Com a eleição de Javier Milei para Presidente da Argentina vamos ter mais uma. Javier Milei afirmou logo ontem, após as eleições, que não pretendia manter relações comerciais com vizinho Brasil nem com a China. Lula da Silva tinha, antes, garantido que “O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”. Ou seja, vamos ter, nos próximos tempos, um confronto da Argentina com o Brasil e um alinhamento com os EUA, que será maior ainda se Donald Trump conseguir voltar ao poder.

Não creio que seja através do “anarco-capitalismo” – uma forma extrema de liberalismo defensora de uma sociedade capitalista sem Estado -, que Javier Milei defende, que os problemas da Argentina ou de qualquer outro país se resolvam, porque, na prática, apenas vai aumentar as doses dos medicamentos usados até agora, com os resultados conhecidos.

Pensem nisso! Até para a semana!

LG, 21/11/2023

 

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