Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro 21/03/2023
Marco Abundância 21/03/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
O desconhecimento da lei serve a alguém
Para procurar evitar conflitos insanáveis entre as pessoas que as constituem, as sociedades criam regras de convivência entre elas – pessoas individuais e colectivas -, incluídas em leis, regulamentos e outras normas.
Entretanto, esse saudável objectivo tem vindo a ser, cada vez mais, subvertido, quer através da excessiva pormenorização e complexidade dessas regras, quer através do seu aproveitamento para diferenciar as possibilidades de acesso aos bens e serviços públicos.
A multiplicidade e diversidade de políticas, medidas e regras de acesso a apoios do Estado, são de tal forma complexas que as tornam inacessíveis para muitos dos que são anunciados como seus principais potenciais beneficiários, verificando-se, não raras vezes, que a sua execução prática fica aquém do previsto ou, pelo menos, do anunciado como meta.
O mesmo acontece com a prestação de serviços públicos que, não raras vezes também, não só os cidadãos que a eles recorrem sentem dificuldades, por vezes intransponíveis, em aceder-lhes, como também acontece com demasiada frequência os serviços e funcionários que os devem prestar terem dificuldades em fazê-lo de forma adequada.
Ou seja, são alocados cada vez mais meios à forma como tudo se deve ser tatado, na perspectiva de que o cidadão, o beneficiário, o utente ou cliente é um potencial malfeitor, para não dizer criminoso, pelo que há necessidade de tudo esclarecer para que, em caso de conflito, possa ser exemplarmente sancionado.
Para aparentar uma igualdade de tratamento entre o Estado e o cidadão, entre a entidade que presta o apoio e o beneficiário, entre o entidade que presta o serviço e o utente, entre o fornecedores de bens ou prestadores de serviços e o cliente, são criados os mais diversos mecanismos e entidades, sob as formas mais diversas, que na prática raramente servem o cidadão, o beneficiário, o utente ou o cliente.
Para ilustrar e, eventualmente, ajudar a esclarecer o que pretendo dizer com todo este arrazoado basta recordar os intermináveis textos de letra miudinha e inelegíveis para a esmagadora maioria das pessoas constantes de contratos, a ineficácia das agências criadas para controlar os mais diversos abusos, os serviços de apoio ao cidadão, ao beneficiário, ao utente ou ao cliente, só para citar alguns, que só servem para criar mais alguns postos de trabalho e de administração, estes normalmente muito bem remunerados, e que só muito raramente defendem os que deviam defender.
Se o financiamento dos apoios concedidos é feito com o dinheiro dos impostos arrecadados pelo Estado, porque é que o governo, em vez de conceder alguns desses apoios, não reduz as taxas de alguns dos impostos que cobra?
Ou seja, esta crescente complexidade do funcionamento das sociedades não é inocente e não acontece por acaso. Não tem por objectivo, como tantas vezes é repetido, servir as pessoas, defendendo-as de quem mais ou tudo pode, mas, antes pelo contrário, destinam-se a servir os interesses de quem mais tem e de quem mais pode. Não é por acaso, que as desigualdades se vão acentuando, chegando a atingir níveis verdadeiramente obscenos. Tal como não é por acaso que as políticas, as medidas, a legislação e outras normas raramente atingem os bons objectivos definidos…
E isto não é, como nos apetece chamar, burrocratização, porque quem a fomenta não é burro, sabe muito bem o que que faz e a quem serve. Não é por acaso que existe o princípio de que o desconhecimento da lei não serve a ninguém. O que nem sequer é verdadeiro porque, na prática, o desconhecimento da lei, tal como dos regulamentos e demais normas, por parte da esmagadora maioria das pessoas, serve aos que têm possibilidades de recorrer a bons advogados. Como é vulgar dizer-se, isto está tudo ligado… e quem quem se lixa é o mexilhão…
Até para a semana!
LG, 21/03/2023