Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 14/03/2023
Marco Abundância 14/03/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
Defender a propriedade privada contra o seu abandono
Sempre que se fala, em Portugal, no aproveitamento da propriedade privada para utilização pública ou de interesse público parece que “cai a Trindade”, como se o direito à propriedade fosse absoluto e se sobrepusesse a todos os outros, como se a propriedade não devesse desempenhar um papel social.
Mais uma vez, agora, a propósito das medidas avançadas no Plano Nacional de Habitação pelo governo, algumas das principais críticas feitas ao mesmo têm por base eventuais utilizações de edifícios privados para a sua execução.
Ora e antes de nos debruçarmos mais sobre o tema, importa lembrar que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu “Artigo 62.º (Direito de propriedade privada) que: 1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.” Tal como também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra no seu Artigo 17º, definindo que “A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.”
Como de pode ver, a utilização de bens de propriedade privada necessária ao interesse geral está prevista na legislação nacional e comunitária, não constituindo a sua concretização, só por si, qualquer abuso de poder.
Os bens de propriedade privada, ou pública, devem desempenhar uma função social. A utilidade do seu uso deve sobrepor-se à propriedade ou posse de quem os detém, porque é o seu uso que pode contribuir para a sua valorização e para servir os interesses dos seus proprietários, utilizadores e interesse público em geral.
A não utilização e, principalmente, o abandono de bens traduz-se num empobrecimento geral e particular dos seus detentores. É, por isso, condenável e tudo deve ser feito para que possam desempenhar a sua função social.
O abandono de prédios rurais e urbanos deve-se a vários factores, nem sempre da responsabilidade exclusiva dos seus proprietários ou, melhor dizendo, na maioria dos casos, dos seus comproprietários. Por exemplo, em muitas situações, dificuldades de regularizar heranças constituem uma das principais razões para o abandono dos prédios.
Mas se é verdade que nem sempre a responsabilidade pelo abandono dos prédios é exclusiva dos proprietários, não é menos verdade que, em muitas situações, o abandono e degradação de prédios tem por justificação ambições especulativas dos seus proprietários.
Não se compreende nem aceita que prédios rurais continuem ao abandono e a causar problemas, como o risco elevado de incêndio, por exemplo. Tal como não se compreende nem aceita que prédios urbanos continuem ao abandono e a degradar-se ou, simplesmente, devolutos, quando há tanta falta de habitação. Sejam eles de propriedade privada ou do Estado.
Importa, por isso, que o governo, para além de zelar pelo património do Estado, dando o exemplo do que deve ser feito com ele para que desempenhe a sua função social no interesse geral, o que não tem feito, tenha uma intervenção activa, através de políticas e medidas incentivadoras, da recuperação da propriedade privada abandonada e degradada e da sua colocação ao serviço da comunidade.
Urge que, não voltemos, ano após ano e perante os incêndios que tudo devoram em grandes áreas do território nacional, a lamentar a falta de políticas e de medidas de planeamento e ordenamento agrícola e rural. Tal como não faz qualquer sentido que continuemos a ver prédios urbanos devolutos, ao abandono e a degradar-se e a termos milhares de famílias sem habitação ou sem habitação digna.
A melhor forma de defender a propriedade privada é tudo fazer para que desempenhe a sua função social, não a abandonando, sem manutenção e uso.
Até para a semana!
LG, 14/03/2023