Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 10/01/2023
Marco Abundância 10/01/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
A democracia está a ser posta em causa com demasiada frequência
É costume repetir-se que “a democracia é o pior dos regimes, depois de todos os outros”. Esta simples mas verdadeira constatação não nos deve levar a considerar o regime democrático irreversível. Para nos lembrar isso mesmo aí estão os acontecimentos registados no Brasil, à semelhança dos que tiveram lugar há dois anos nos Estados Unidos da América.
Em democracia devemos celebrar as vitórias e aceitar as derrotas. É dos poucos, senão o único, regime em que os que hoje ganham eleições, nalguns casos até com maioria absoluta, e acedem ao poder, amanhã podem perder eleições e ser afastados do poder. Tal não se verifica noutros regimes, designadamente nos totalitários, em que, alcançado o poder, os que tal conseguiram pretendem perpetuá-lo para sempre, quase sempre com as consequências que se conhecem.
Nos tempos que correm, verificamos que, muitas vezes, não valorizamos suficientemente a democracia, designadamente quando apenas a consideramos como o melhor regime quando são os nossos a deter o poder. A democracia tem de ser entendida como um regime de poder em permanente aperfeiçoamento, de forma a ganhar cada vez mais adeptos que a defendam e contribuam para o seu reforço. Para tal a democracia não se pode ficar pela possibilidade de alteração do poder por via de eleições, o que já não é pouco mas é insuficiente. A democracia tem de corresponder aos anseios e às necessidades das pessoas e por isso tem de ser democrática, passe o pleonasmo, nos domínios económico, social, cultural e na defesa do ambiente. E, mesmo no que refere às eleições, devem ser aperfeiçoados os processos eleitorais de forma a garantir que todos os votos são iguais e devem valer o mesmo. E, quando tal não é possível, a discriminação deve favorecer os territórios e as populações mais necessitados.
O respeito de todos pelos resultados eleitorais é um princípio básico da democracia. Levantar suspeitas sobre a bondade dos resultados eleitorais muito antes das eleições, quando ainda por cima essas suspeitas são levantadas por quem está no poder, é próprio de quem tem medo dos resultados eleitorais e não revela vontade de os respeitar, pretendendo perpetuar-se no poder, independentemente deles. Foi isso mesmo que se passou, há dois anos nos Estados Unidos da América, com Trump e os trumpistas e se está a passar agora, no Brasil, com Bolsonaro e os bolsonaristas mais extremistas.
O apoio generalizado da comunidade internacional ao presidente Lula da Silva, eleito em eleições livres e democráticas que só foram e continuam a ser postas em causa pelos bolsonaristras, será um forte contributo para ajudar a sanar os graves acontecimentos provocados por manifestantes, claramente mobilizados e organizados, que tiveram o seu ponto alto em termos simbólicos no assalto perpetrado, no Domingo, às sedes dos três poderes – legislativo, executivo e judicial.
Este assalto aos três poderes poderá acabar por ter efeitos contrários aos pretendidos por quem o promoveu e organizou, afastando muitos votantes de Bolsonaro, que, sendo moderados e democratas, não só não apoiam aqueles actos de violência como aceitam os resultados eleitorais.
Esperemos que assim seja, não só pelo Brasil mas também pela democracia, que acabará por sair reforçada sempre que os que a não respeitam saírem derrotados. A capacidade de resposta às necessidades e aos anseios das pessoas de que Lula da Silva e o seu governo forem capazes de dar, tal como a de todos os regimes democráticos, é fundamental e determinante para o reforço da democracia e a travagem da onda populista e de extrema direita que tem vindo a avançar, em resultado de insatisfações e descontentamentos que geram revoltas dos muitos que se sentem prejudicados e marginalizados por governos democráticos.
Até para a semana! Saudações democráticas.