Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 09/05/2023
Marco Abundância 09/05/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
A bolha político-mediática e a vida real das pessoas
Apesar de António Costa ter frisado, no seu discurso de vitória das últimas eleições legislativas, que maioria absoluta não significava poder absoluto, poucos ouviram e menos ainda registaram este seu alerta.
Os casos e casinhos e os problemas sérios de funcionamento do governo e do seu relacionamento com empresas públicas e outras entidades públicas e privadas, que já levaram à substituição de mais de uma dúzia de governantes, mostram como o próprio governo não levou a sério aquele alerta de António Costa.
Esta situação agravou-se nos últimos tempos com os acontecimentos na TAP que têm vindo a público, que tornaram ainda mais evidentes aquelas dificuldades do governo e que culminou com os incidentes no Ministério das Infraestruturas, com João Galamba e um adjunto, entretanto afastado, a acusarem-se mutuamente de práticas inadmissíveis, como a de esconder ou apresentar versões diferentes dos factos.
Face aos acontecimentos, o ministro das Infraestruturas, o primeiro-ministro e o Presidente da República fizeram conferências de imprensa, que podem ser apresentadas como o pior que a política tem e que mostra que todos eles vivem numa bolha em que não cabem as pessoas que têm dificuldade em ter uma vida digna, em resultado das políticas seguidas.
O ainda ministro das Infraestruturas, fez uma conferência de imprensa para detalhar a demissão do seu adjunto, acusando-o de ter ocultado informações, agredido colegas, tentado partir uma porta de vidro e roubado um computador com informações classificadas, que o levou a chamar o SIS e a Polícia Judiciária. Nem por um segundo lhe passou pela cabeça que, tendo sido ele a escolher e a nomear o adjunto era ele o responsável por tudo o que se passou no seu ministério e, por isso mesmo, jurou ter todas as condições para continuar a exercer as funções de ministro. Apesar disso, uns dias depois, divulgou a carta em que pedia a sua demissão de ministro, por não ter reunidas as condições para continuar a exercer as suas funções…
Poucos minutos depois, o primeiro-ministro fez uma conferência de imprensa para anunciar que, apesar de todos os comentadores e a maioria dos agentes políticos entenderem que devia demitir João Galamba, ele não o fazia, por, em consciência, entender que ele não era o responsável pelo episódio registado no Ministério das Infraestruturas. E explicitou até ao último pormenor a sua versão daquele acontecimento, como se toda a polémica envolvendo o ministro se resumisse a este…
Dois ou três dias depois e certamente depois de muito ter reflectido sobre o assunto, foi a vez do Presidente da República fazer a sua conferência de imprensa para desfazer João Galamba e acusar António Costa de não o ter demitido e de o responsabilizar por pôr o governo na ordem e a governar, porque, garante da estabilidade política, não ia ainda demitir o governo nem dissolver a Assembleia da República, mas assegurando que iria estar mais atento e vigilante à actividade governativa… Foi como quem dissesse: Segurem-me senão vou-me a eles…
Tudo isto passou-se numa semana. E o que é que acrescentou, de facto, à resolução dos problemas do País e das pessoas? Quem não acompanhou as notícias nesse período, que alterações notou? Isto é o que de pior tem a política – os políticos a digladiarem-se em público e a comunicação social e os comentadores a ocuparem todo o espaço mediático com a disputa, como se de um relato de futebol se tratasse.
E, entretanto e apesar dos sinais positivos do crescimento económico, o consumo interno diminui, o que prova que o poder de compra das pessoas continua a diminuir, porque os preços não param de aumentar. A banca portuguesa, que tanto apoio teve do erário público quando atravessou uma crise causada por ela própria, é uma das que mais lucra, aumentando os juros dos empréstimos, designadamente à habitação, e mantendo baixos os juros dos depósitos. Os trabalhadores continuam sem ver os seus salários aumentados face à inflação, por maiores que sejam os lucros apresentados por muitas empresas, designadamente as maiores empregadoras. É isto que gera a instabilidade no País e não as “guerras de alecrim e manjerona” dos políticos, que, por mais importantes que sejam – e algumas são mesmo -, pouco dizem às pessoas, que sentem o seu dia-a-dia a complicar-se mais.
É de uma política que ponha cobro a este estado de coisas que as pessoas esperam.
Até para a semana! (LG, 09/05/2023)