Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 09/01/2024
Marco Abundância 09/01/2024
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
O agravamento da crise na comunicação social põe em risco a democracia
Uma comunicação social livre e independente é fundamental e determinante para o bom funcionamento da democracia. Sabemos quanto é difícil à comunicação social e, especialmente, aos jornalistas exercerem a sua função com plena liberdade e total independência, porque quase todos os que têm poder, mesmo que defendendo a democracia, não se inibem de exercer o poder que têm de forma a tentar que eles não os incomodem, escrutinando toda a sua actividade.
É a isso que todos os dias assistimos, pelas mais diversas formas, umas mais evidentes, outras mais subtis ou sofisticadas, a tentativas, muitas delas concretizadas, de condicionar a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social. Esses condicionamentos vão das fontes de financiamento, passando pela precariedade do emprego, até à equiparação de outras formas de comunicar à comunicação social.
Conhece-se a apetência de grupos económicos pela comunicação social, nem sempre por poder ser uma actividade rentável, mas quase sempre com a intenção de a controlar ou fragilizar, chegando mesmo à eliminação de órgãos de comunicação social de referência. Conhece-se igualmente a atenção que os poderes políticos lhe dedicam, nem sempre com a preocupação e a intenção de respeitar a sua liberdade e a sua independência, proporcionando-lhe melhores condições de actuação, mas, pelo contrário e com demasiada frequência, procurando que ela lhe seja “simpática”.
A crescente precariedade do emprego, com dispensa de jornalistas seniores e recurso a estagiários ou contratados a recibos verdes, para trabalharem à peça, é obviamente um condicionamento da sua liberdade e da sua independência, porque poderão ficar sem emprego, por mais precário que seja, e sem remuneração, por mais miserável que seja, se não cumprirem estritamente o que lhes encomendam e mandam fazer.
As chamadas redes sociais, onde todos podem aceder a praticamente tudo e escrever e divulgar praticamente tudo também, mas onde, principalmente, partilham o que lhes chega de outros mas também de centrais de produção de ideias e divulgação de notícias, com base nos célebres algoritmos, sem passar pelo crivo da confirmação e do contraditório e sem quaisquer sistemas de controlo democráticos.
E, desta forma, passando uma falsa imagem de total liberdade, são hoje, sem dúvida alguma, o principal inimigo da comunicação social livre e independente, porque não só têm vindo a fragilizar os órgãos de comunicação social como a apresentar esta como, cada vez mais, menos necessária, face àquela oferta de tão fácil acesso, apenas à distância de um simples clique.
E assim, a informação que nos chega é, cada vez mais, menos plural e mais a voz do dono. Não existe divergência, não existe contraditório. Existe apenas a versão dos acontecimentos que nos querem vender, que nós, porque bem treinados e condicionados, compramos sem hesitações, como se de verdades inquestionáveis se tratassem. E ai de quem se atreva a questionar, a levantar dúvidas, que logo é visto como alguém que quer por em causa a “boa” ordem mundial e a harmonia da humanidade…
Tempos difíceis e complexos estes que vivemos. Tempos em que, cada vez mais, temos menos tempo e disponibilidade para pensar e reflectir, temos menos voz própria e menos liberdade para a expressar, porque somos cada vez mais condicionados. E nem todos e nem sempre disso temos consciência. E, pior ainda, os que temos e quando temos consciência de que algo não está bem, logo somos censurados por aqueles que, sendo mais papistas do que o papa, se assumem como os vigilantes da voz do dono, em nome da liberdade, que nos estão a cercear.
E, como se os já vastos exemplos não bastassem para nos mostrar como a democracia está a ser posta em risco, em resultado do crescente agravamento da crise na comunicação social, vamos aceitando como pouco impactante na nossa vida colectiva e, até já para alguns, como inevitável não só o enfraquecimento do papel da comunicação social como também o da própria democracia. E, pior ainda, vamos aceitando como normais atitudes, comportamentos, organizações e movimentos anti-democráticos, que, abusando da liberdade, acusam de anti-democráticos os que defendem a democracia.
Pensem nisso! Até para a semana.
LG, 09/01/2024