Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 07/02/2023
Marco Abundância 07/02/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
O Estado é pessoa de bem?
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, disse na sexta-feira que “o Estado é pessoa de bem” e vai cumprir o que foi acordado relativamente ao bónus da presidente da TAP, se o processo de reestruturação da companhia for bem sucedido.
Esta expressão – “o Estado é pessoa de bem”-, é tantas vezes repetida que importa analisar se de facto traduz o que tantas vezes se passa. Em primeiro lugar, convém referir que seria mais correcto dizer que “o governo é pessoa de bem”, porque é o governo que gere o Estado, é o governo que toma decisões e que as deve cumprir e fazer cumprir. Mas, como cada vez menos acreditam que “o governo é pessoa de bem”, insiste-se na afirmação de que “o Estado é pessoa de bem”… Em segundo lugar, todos sabemos, porque os exemplos não faltam, que o Estado só é pessoa de bem quando se trata de respeitar o prometido aos poderosos.
O Estado como pessoa de bem vai permitir à TAP pagar um bónus à sua presidente, porque tal foi acordado com ela, mesmo havendo muitas dúvidas quanto à legalidade desse acordo, tal como pagou uma indemnização à administradora com quem acordou a sua saída, tal como meteu na empresa 3,2 mil milhões de euros, porque tal foi acordado. O Estado já não é pessoa de bem ao permitir que a TAP mantenha suspensos direitos dos seus trabalhadores, apesar dos bons resultados da empresa.
Já antes o Estado assumiu-se como pessoa de bem ao meter milhões de euros em bancos que tiveram gestões ruinosas e, nalguns casos, criminosas, porque tal foi acordado. Mas o mesmo Estado já não foi pessoa de bem ao não exigir que esses mesmos bancos respeitassem os direitos dos trabalhadores e garantissem os depósitos das pessoas que enganaram. Ainda, certamente, nos lembramos da garantia dada pelo ex-Presidente da República, Cavaco Silva, de que era seguro depositar as economias no Banco Espírito Santo, poucos dias antes de ser tonado pública a situação em que se encontrava e que levou o Estado a enterrar nele milhões de euros para salvar e vender o “banco bom” ao preço da uva mijona…
O Estado foi pessoa de bem ao pagar indemnizações aos empreiteiros a quem adjudicou as obras de construção da auto-estrada até Beja. Mas já não foi pessoa de bem ao suspender e anular essas obras, que, para além de há muito e várias vezes prometidas, não voltaram a ser executadas conforme previsto, deixando ao longo do percurso vários monumentos à sua incompetência e ao abandono a que votou nossa região.
Quando o governo disse que dava uma apoio aos reformados quando apenas antecipou o pagamento de meia pensão e pretende, com essa habilidade, alterar a legislação que determina a actualização dos valores das pensões para pagar menos aos pensionistas, o Estado está a ser pessoa de bem?
Quando o governo recusa o aumento das portagens pretendido pelas concessionárias e apenas autoriza o aumento em metade da percentagem que pretendiam e as indemniza pelo restante valor, obrigando, com essa habilidade, todos os portugueses a suportarem aquele custo e não apenas os utilizadores das auto-estradas, será que o Estado agiu como pessoa de bem?
Quando o governo não garante médico de família a mais de um milhão de pessoas, quando não cumpre prazos que definiu para consultas, cirurgias, exames médicos, quando permite a morte antecipada de tantas e tantas pessoas por atrasos nos diagnósticos de doenças que têm cura, será que o Estado está a ser pessoa de bem?
Quando o governo permite que tantas pessoas continuem na pobreza, sem uma vida digna, incluindo muitas que trabalham, será que o Estado está a ser pessoa de bem?
Quando o governo não garante habitação a todos, apesar de tal direito estar consagrado na Constituição da República Portuguesa, o Estado está a ser pessoa de bem?
Quando o governo isenta de impostas empresas que têm milhões, incluindo algumas que foram apoiadas com financiamentos a fundo perdido ou com empréstimos com juros bonificados pelo Estado, será que este está a ser pessoa de bem?
Quando o governo readquiriu todo o capital da TAP e meteu 3,2 mil milhões de euros na empresa, quando estava praticamente falida, com o argumento de que se tratava de uma empresa estratégica, porque só ela assegurava voos para toda a diáspora, e agora, que começa a ter bons resultados, muito à custa dos sacrifícios impostos aos trabalhadores, a pretende vender a uma das gigantes da aviação, será que o Estado está a ser uma pessoa de bem?
Enfim, podíamos multiplicar por muitos mais os exemplos apontados, que provam que a expressão “o Estado é pessoa de bem” só é utilizada quando o governo pretende tomar alguma medida impopular, por não ser justa nem constituir um bom acto de gestão, como é manifestamente o caso do pagamento do bónus à presidente da TAP.
Desejável seria que o governo assegurasse que “o Estado é uma pessoa de bem” garantindo e fazendo garantir a todos os portugueses, por igual, os direitos e garantias que a Constituição da República consagra. Aí sim, faria e fará sentido afirmar que “o Estado é uma pessoa de bem”. Até lá, tal expressão soa a ofensa à nossa inteligência e, principalmente, a quem continua a não ter direito aos direitos e garantias que a Constituição consagra.
Até para a semana!
LG, 07/02/2023