Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 04/11/2025
Marco Abundância 04/11/2025
A crónica de Lopes Guerreiro.
A democracia do Poder Local já não é o que foi
A democracia no Poder Local foi definida numa lógica diferente da do Poder Central. Desde logo, porque os órgãos executivos resultam de eleições directas, nas câmaras municipais, e de eleições mistas nas juntas de freguesias em que os presidentes são eleitos directamente e os restantes membros são eleitos pelas assembleias de freguesias.
Isto resultou da vontade dos deputados, que aprovaram a primeira lei das autarquias locais, de incentivar uma gestão colegial, envolvendo eleitos de diferentes partidos, de acordo com as respectivas representatividades ditadas pelos eleitores.
Foi projectada a convicção de que os eleitos locais, pela proximidade com as populações que os elegem, deviam representar estas mais do que os partidos que os escolheram, e deviam ter disponibilidade para, uma vez eleitos,cooperar entre si, em vez de se limitarem a fazer oposição aos vencedores, principalmente quando estes não alcançaram a maioria absoluta. Foi isto que aconteceu em muitas autarquias nos primeiros anos do Poder Local.
Depois, com a dança de alguns dirigentes partidários entre o parlamento e governo e as autarquias, o governo destas passou a aproximar-se do modelo do governo do país, afastando os eleitos que não ganharam para a oposição, em vez da cooperação, para além do reforço das competências dos presidentes de câmara, que são hoje, na prática, um órgão dos municípios, tais são os poderes e autonomia que passaram a ter.
Vem isto a propósito das dificuldades que hoje surgem na composição dos executivos autárquicos, por força da fragmentação do eleitorado, da pluralidade dos eleitos e das trincheiras a que estes se remetem, numa lógica de que devem apenas governar os eleitos do “partidos” vencedores e os restantes limitar-se a fazerem oposição.
É uma evolução que contribuiu para o empobrecimento da democracia das autarquias locais, que, na lógica da sua génese, incentivava a participação de todos.
O respeito pela vontade das populações que os elegeram, o cumprimento das promessas eleitorais e dos planos de actividades, a cooperação entre todos e com todas as entidades, a relação de proximidade com as pessoas, o espírito de serviço público, devem caracterizar a acção dos autarcas na gestão das autarquias locais.
Esta deve assumir a governação dos territórios, e em cooperação com os outros, mobilizando e envolvendo todos nas acções que mais possam contribuir para o seu desenvolvimento, incluindo nas reivindicações junto do Poder Central.
Não perdendo de vista as atribuições próprias das autarquias locais, os autarcas devem fazer pleno uso das suas competências, designadamente a de se interessarem e empenharem na resolução de todos os problemas que afectam os territórios e as populações, não se recusando a fazê-lo com o argumento de que este ou aquele assunto não é atribuição da autarquia, pelo que não lhes compete resolvê-lo.
Isto não significa, como é evidente, que as autarquias tudo podem fazer e devem ser responsabilizadas por tudo o que não é feito, mesmo que os autarcas tudo tenham feito para conseguirem a sua concretização.
O poder Central não deve realizar este ou aquele investimento, esta ou aquela benfeitoria ou apoiar esta ou aquela autarquia pelo facto de serem todos da mesma cor política. As opções devem ser feitas em função da necessidade, da oportunidade e da bondade e não por favorecimento dos seus interesses e dos seus.
Os autarcas devem reivindicar do Poder Central tudo o que consideram ser necessário e a que têm direito os seus territórios e populações, independentemente de quem está no governo, se é ou não da mesma força política. Não reivindicarem ou dificultarem as reivindicações das populações, apenas quando os que estão no governo são da mesma cor política é subserviência e alienação do seu dever de tudo fazerem para servir as populações e os territórios que governam.
Já tomaram posse praticamente todos os órgãos autárquicos. Se na maioria dos casos existem maiorias para governar, determinadas pelos eleitores ou por entendimentos pós eleitorais, há alguns casos em que não foi possível gerar as maiorias que podiam contribuir para maiores compromissos na acção e estabilidade governativa. Vão ter de governar mesmo assim, o que exige mais tempo e humildade democrática para conseguir as maiorias, que lhes permitam realizar boa parte do que prometeram.
Até para a semana!
LG, 04/11/2025
