Crónica de opinião – Lopes Guerreiro – 01/08/2023

Marco Abundância 01/08/2023

A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.

Quem deve governar em democracia?

Esta parece ser uma pergunta retórica, mas não é. É uma questão muito pertinente e oportuna, que ganhou toda a centralidade no debate político em Espanha, na sequência dos resultados das recentes eleições gerais.

Até 2015, era prática corrente ser o partido mais votado, com maioria absoluta ou simples, a formar governo e a governar em Portugal. Só raramente, e à direita, foram formadas maiorias pós eleitorais através de coligações e nunca antes tinha sido um partido que não ganhou as eleições a formar governo e a governar.

A partir daquele ano e apesar do PSD ter sido o partido mais votado, com a constituição de uma maioria parlamentar pós eleitoral do PS, com o PCP e o Bloco de Esquerda, com base em acordos bi-partidários, tornou-se  possível ao PS formar governo e governar, quebrando-se aquela prática.

Entretanto, em Espanha também aconteceu algo nunca visto no período democrático – uma moção de censura apresentada pelo PSOE, com o apoio de todas as oposições, afastou do poder o governo da direita e permitiu ao PSOE formar governo e governar com o apoio parlamentar da maioria que votou aquela moção de censura.

Agora, o PP não consegue formar um governo que passe nas Cortes Espanholas, apesar de ter vencido as eleições gerais, mesmo com o apoio do VOX, partido de extrema direita, com que nunca disse pretender coligar-se. E, como tal, Alberto Feijóo, líder do PP, tudo tem feito para impedir que Pedro Sanchez volte a formar governo, através de uma coligação com a SUMAR – uma plataforma que reúne quase todas as forças políticas à esquerda do PSOE -, e a governar a Espanha, com o apoio de todos os partidos que não querem o VOX no governo de Espanha.

Esta questão – de ser um partido que não teve a maioria nas eleições a formar governo e a governar, através do apoio maioritário de outros partidos no parlamento -,  que só recentemente deixou de ser novidade na Península Ibérica, não é nada retórica, como se vê, e já é uma velha prática noutros países, designadamente do Norte da Europa, onde o sistema partidário se encontra mais fragmentado.

A favor e contra qualquer uma das soluções governativas, apresentam-se os mais diversos argumentos, a maioria deles de mera conveniência política, tentando justificar o acesso ao poder de quem os apresenta e defende.

Não deixa de ser curioso que, em Espanha, o líder do PP, que nunca admitiu a hipótese de formar governo com o VOX, partido neo-fascista, tenha considerado essa mesma hipótese como facto consumado, logo que foram conhecidos os resultados eleitorais, que não lhe deram maioria suficiente para formar governo sozinho. E que  tudo esteja a fazer para evitar que o PSOE volte a governar, nas mesmas condições em que tem estado, como se tratasse de uma novidade lesiva da pátria.

Ou seja, lá como cá, “a minha maioria é melhor do que a tua” ou “os meus extremos são menos perigosos do que os teus”. Isto é, o PP acha que é melhor uma maioria com o VOX e que este é menos perigoso do que uma maioria do PSOE com as forças políticas à sua esquerda, que considera mais perigosas. O PSOE acha o contrário.

As soluções de governo encontradas, quer pelo PS em Portugal quer pelo PSOE em Espanha, contribuíram para alargar o, indevidamente chamado, arco da governação à esquerda, sem colocar em perigo o regime democrático, como se constatou. Já o que o Chega e o VOX pretendem, de forma explícita, é acabar com esse mesmo regime democrático. Não é a mesma coisa, por mais que tentem fazer crer que é…

Em democracia, governa quem tem o apoio, activo ou passivo, da maioria no parlamento. A maioria obtida nas eleições, salvo se for absoluta, serve apenas para o líder do partido mais votado ser convidado, pelo Chefe do Estado, a formar governo. Esta é a única regra. Tudo o resto depende das maiorias conjunturais que se formarem. Se não tiver maioria no parlamento, só poderá formar governo o partido que conseguir que o programa de governo que apresentar passe no parlamento, sendo aprovado por maioria absoluta ou simples, com parte dos deputados a absterem-se. E se tal não for possível, realizam-se novas eleições, sendo dada, uma vez mais, a palavra aos eleitores, que são quem decide, quando não há outra solução.

Até para a semana!                                                                                 LG, 01/08/2023

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