Crónica de Opinião – 30/01/2024

Marco Abundância 30/01/2024

 

A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.

 

Falta confiança

Confiança é uma condição fundamental para criar e manter qualquer relacionamento entre pessoas, individuais ou colectivas. Existindo confiança tudo se torna mais fácil, transformando-se em meras formalidades contratos e quaisquer outras garantias. A confiança é sem dúvida alguma o capital mais importante nas relações.

Ora é precisamente este capital, tão importante e determinante em tantas situações, que está a escassear cada vez mais. É isso – a falta de confiança, adquirida ou perdida -, que está a minar todo o tipo de relações. O que antes era garantido com a palavra dada ou com um simples aperto de mão hoje nem com os mais completos e complexos contratos e vistos de notários e tribunais é garantido.

Esta falta de confiança começa nas relações pessoais e acontece também nas profissionais, comerciais, institucionais e políticas.

Hoje, quase ninguém acredita em promessas ou em compromissos, por mais solenes e públicos que sejam. O seu incumprimento é de tal ordem que, por mais garantias apresentadas, a facilidade com que pode ser verificada e as provas testemunhais de pouco ou nada servem para gerar e manter a confiança necessárias entre parceiros.

E se podem existir razões fundamentadas para se duvidar da palavra dada, dos compromissos assumidos e das promessas feitas, a tendência para se duvidar de tudo e de todos e se especular sobre as intenções que por detrás deles estão é mais forte e contribui mais para o clima generalizado de desconfiança, que caracteriza as relações que hoje se geram e mantêm.

Se esta desconfiança é grave nas relações pessoais e profissionais, ela é muito mais grave e impactante quando se manifesta nas instituições públicas e políticas.

Veja-se o que se passa em tantos serviços da Administração Pública, em que os utentes mostram desconfiança, por achar que são tratados de forma diferente conforme a sua condição económica, social ou outra ou da proximidade que têm com responsáveis ou funcionários que mostram maior disponibilidade para desenvencilhar situações mais complexas. Ou seja, mesmo quando há sincera boa vontade da parte de qualquer serviço ou funcionário público para resolver problemas mais difíceis ou que encalhem no complexo emaranhado legal, logo surgem insinuações e suspeições de estarem a fazer favores ou cometer crimes.

A credibilidade da Justiça é cada vez mais questionada por atirar muito e caçar pouco, que o mesmo é dizer que são cada vez mais os processos de averiguações que abre e muitos deles acabam por prescrever, atendendo à complexa lentidão processual, ou não chegam à acusação dos suspeitos ou, a ela chegando, acabam os mesmo por não ser condenados. Os momentos em que são tornados públicos os processos mais mediáticos, a incapacidade revelada em assegurar segredo de justiça, as fugas de informação selectivas e oportunas para alguns, permite os julgamentos na praça pública que põem em causa a presunção de inocência, causa danos irreversíveis e irreparáveis a inocentes e contribui para a falta da necessária confiança num dos principais pilares do estado de direito democrático.

Os, cada vez mais, frequentes processos judiciais abertos a actuações de políticos no exercício de funções públicas, com base na suspeita de crimes graves, alguns já provados e os seus autores condenados, envolvendo, inclusive, alguns dos mais altos cargos, quase sempre tendo por base relações promíscuas com altos responsáveis de empresas, tendem a fazer crescer a desconfiança nos políticos em geral e a por em causa o próprio regime, o que muito facilita a revolta das pessoas e o seu aproveitamento por forças populistas, que, dizendo-se contra o sistema, mais não querem do que destruir o regime democrático em que vivemos.

A falta de qualidade de muitos políticos, o carreirismo e a falta da chamada ética republicana evidenciados por tantos, que mais do que servir se pretendem servir, as diversas relações de promiscuidade estabelecidas com responsáveis e agentes de outros poderes, designadamente o económico, em nada contribuem para a necessária confiança nos políticos e nas instituições políticas e públicas.

Havendo muitas razões, como podemos constatar, para não estarmos satisfeitos com o estado a que a democracia chegou, importa reflectirmos sobre se as coisas estão realmente piores ou se é a percepção delas, em resultado de um muito maior e mais mediático escrutínio que é feito ao desempenho dos diversos cargos políticos e públicos, que é maior. Coloco esta questão porque me parece que nunca o combate à corrupção e a outros crimes a ela associados foi tão grande e contou com tantos meios e, devido a isso e ao maior escrutínio a que me referi atrás, nunca como agora foram abertos tantos processos judiciais e julgados e condenados tantos detentores de cargos políticos e públicos.

E importa também reflectirmos sobre as razões porque, muitas vezes, os que se apresentam como paladinos do combate à corrupção e falam tanto em ética, sendo sempre os primeiros a apontar o dedo aos outros, mal se vislumbre uma oportunidade de sobre eles levantar suspeitas ou fazer insinuações, se apressam a tentar varrer para debaixo tapete as suspeitas que contra eles são levantadas. E porque, a par dessa prática recorrente, estão sempre prontos a generalizar com o “são todos iguais” como se eles não fizessem parte do “todos”.

Como é costume dizer-se, isto está tudo ligado. Nem sempre o que parece é o que parece. Só não percebe quem não quer ou é ingénuo…

LG, 30/01/2024

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