Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 24/10/2023
Marco Abundância 24/10/2023
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
Com a verdade me enganas
Um dos maiores problemas de Portugal e que justifica, em grande medida, o atraso do seu desenvolvimento são os baixos salários. Durante muito tempo dizer isto era logo apontado como demagogia de lesa-pátria. Hoje, essa realidade é reconhecida por todos, incluindo o governo e os patrões e suas associações e confederações.
Mas perante essa evidência o que fazem os que a podem alterar? Fingem que fazem alguma coisa para manter tudo na mesma. Ou seja, o governo, as confederações patronais e a UGT, num simulacro de concertação social em que acrescentaram 10 euros – sim ouviram bem, 10 euros -, ao valor previsto para o salário mínimo nacional do próximo ano. E a CIP, que tinha proposto a criação de um 15º mês, suportado em grande parte pela redução da contribuição para a Segurança Social e do IRC, excluiu-se daquela assinatura afirmando que ela não correspondia às necessidades, não explicando muito bem de quem…
E, tal como fez no ano passado com o aumento, que não passou de uma antecipação, das reformas, este ano o governo inventou mais uma diversão com o aumento do IUC dos automóveis mais antigos, previsto no Orçamento de Estado para o próximo ano, para fazer esquecer aquela vergonha e outras medidas lesivas os portugueses.
Antes de passarmos a mais algumas destas medidas, esclarecemos o que se passa com a proposta de aumento do IUC para os automóveis anteriores a 2007. O governo justifica a medida com exigências ambientais e de renovação do parque automóvel e descarbonização do transporte de passageiros. Esquece-se de dizer que, com esta medida, vai atingir a maioria dos proprietários de veículos economicamente mais vulneráveis e de com ela pretender pagar a redução de portagens nalgumas auto-estradas. Ou seja, o governo quer que sejam os mais pobres a contribuir para a defesa do ambiente, quando permite aos mais poderosos continuarem a atentar contra ele, e para os que circulam nas melhores vias. E não satisfeito, o primeiro-ministro ainda empola mais esta manobra de diversão ameaçando os portugueses com a pergunta/ameaça se querem pagar mais 874 euros de IRS em vez de 25 euros de IUC, sem explicar o que tem uma coisa a ver com a outra…
Mas voltemos a mais alguns exemplos de que o governo pretende desviar-nos a atenção, para além da valorização dos salários de que falámos.
O governo diz que para resolver os problemas do Serviço Nacional de Saúde não basta investir mais dinheiro e que é necessário também melhorar a sua gestão. Quem contesta esta evidência? Mas quem tem governado o País há oito anos? De quem é a responsabilidade de, apesar dos milhões investidos, o Serviço Nacional de Saúde estar a responder menos às necessidades dos portugueses, ao ponto de haver menos com médico de família e mais um milhão com seguros de saúde? Quem tem definido o tipo de gestão e nomeado os gestores do Serviço Nacional de Saúde? Pretende o governo, como diz, salvá-lo e reforçá-lo ou, como parece estar a fazer, quer reduzi-lo a serviços mínimos de saúde para quem não tem outro recurso?
Sou dos que entendem que o problema dos impostos não não as taxas elevadas mas sim a má utilização que é dada ao dinheiro arrecadado com eles pelo governo. Quem se importaria de pagar os impostos que paga se tivesse bons serviços de Saúde, de Educação, de Justiça, Habitação e infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento? Mas não é isto que temos. Ao que assistimos é à má utilização dos dinheiros públicos, atribuindo apoios a quem deles não precisa, criando ou mantendo serviços desnecessários e empregos para a sua clientela, permitindo o enriquecimento fácil e, muitas vezes, ilícito de muitos, a par da má gestão de serviços públicos, da ineficácia, para não lhe chamar outra coisa, dos reguladores, do empobrecimento de quem trabalha por conta de outrém ou por conta própria e de de pequenos empresários.
E, face a este cenário, não é de estranhar que a carga fiscal, que vai atingir os 38% no próximo Orçamento de Estado, aumentando 1% em vez de diminuir 0,1%, como o ministro das Finanças tinha garantido, esteja a constituir uma das principais contestações ao Orçamento do Estado e ao governo. Porque, como alguns dizem e exemplos disso não faltam, o governo dá com uma mão e tira com a outra e, às vezes, mesmo com as duas. E, por tudo isso, também podemos acrescentar que com a verdade nos tenta enganar este governo.
Pensem nisso. Até para a semana! LG, 24/10/2023