Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 14/11/2023

Marco Abundância 14/11/2023

A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.

 

Crise política ou de regime

Há precisamente uma semana, com surpresa para todos, incluindo os próprios directamente envolvidos, na sequência de um conjunto de diligências do Ministério Público, foram detidas e feitas arguidas um grupo de pessoas, algumas próximas do primeiro-ministro, por suspeitas de práticas criminosas nos processos de licenciamento da exploração de duas minas de lítio, do hidrogénio verde e de um centro de dados, todos eles classificados pelo governo como projectos de interesse nacional, para poderem beneficiar de tratamento especial e de financiamentos.

No meio deste furação judicial, saiu um comunicado da Procuradoria Geral da República informando que ia abrir um processo ao primeiro-ministro, por este ter  sido referenciado por detidos ou arguidos em escutas telefónicas. Na sequência deste comunicado, António Costa pediu a demissão de primeiro-ministro, dizendo que, por terem sido levantadas suspeitas sobre a sua idoneidade, não podia manter-se no lugar, porque , a manter-se em funções, contribuiria para afectar a imagem das instituições, designadamente a do governo. A demissão foi imediatamente aceite pelo Presidente da República.

Logo as opiniões se dividiram entre os que aplaudiram António Costa, pela coragem e dignidade em retirar de imediato as consequências políticas da situação, alguns dos quais apontaram baterias ao Ministério Público, pela tentativa de judiciação da política, e a Marcelo Rebelo de Sousa porque, assim, estaria a conseguir a demissão de António Costa e a dissolução da Assembleia da República, facilitando a vida ao seu PSD por o PS ter ficado fragilizado, e assim teria conseguido também desviar as atenções do caso das gémeas brasileiras que terão beneficiado de um tratamento caro num hospital público por sua influência. Importa referir que o governo não chegou a prestar qualquer esclarecimento sobre este caso, como lhe competia…

E assim se escancarou as portas ao pior que há na política, transformada num jogo de “vida ou morte” em que tudo vale para tentar manter-se no poder ou conquistá-lo.

Em meu entender, o governo caiu essencialmente porque: não resolveu os principais problemas, não promoveu o desenvolvimento integrado e sustentado nem satisfez as principais necessidades e aspirações das pessoas; teve uma prática, demasiado generalizada, do quero, posso e mando; António Costa falhou e permitiu que falhassem em muitas nomeações, com excessivos casos e casinhos; e António Costa subestimou o peso da contestação social, das oposições, incluindo a de Marcelo Rebelo de Sousa, e das corporações, que persistem, quase meio século depois do derrube do Estado Novo, que foram criando as condições favoráveis ao seu afastamento.

Há muito que todos sabemos que o regime democrático se tem vindo a degradar, apesar das boas palavras de todos os responsáveis de que tudo farão para o aperfeiçoar e aprofundar. O certo é que isto na prática não tem acontecido por ausência ou insuficiência das políticas, medidas e práticas seguidas.

O regime democrático não tem conseguido combater as enormes desigualdades, que se têm vindo a acentuar, impedindo que muitos, incluindo muitos dos que trabalham, consigam os meios necessários para ter condições de vida dignas, nem satisfazer expectativas que foram sendo geradas e alimentadas por promessas eleitorais, o que tem levado à frustração e a uma crescente revolta por parte de muita gente, empurrada para os braços de populismos, que tudo prometem a todos e já.

A percepção da existência de elevada corrupção por parte de muitos governantes e de responsáveis de altos cargos da administração pública, bem como do uso e abuso do poder para alimentar clientelas pessoais, partidárias e outras tem contribuído para um crescente desinteresse das pessoas pela política, por entenderem que todos os políticos são iguais e que, em vez de servirem o País, as pessoas e as instituições para que foram eleitos ou nomeados, só querem é servir-se dos cargos que desempenham.

O regime democrático não tem conseguido promover a cidadania e a participação, designadamente fora dos partidos políticos, personalizando nos seus líderes as  responsabilidades de órgãos colegiais e limitando a participação das pessoas quase só  às eleições, através do voto, com as consequências que se conhecem, designadamente as crescentes abstenções.

A possibilidade destes processos judiciais se arrastarem no tempo e acabarem por dar em pouco mais do que nada, designadamente o que a Procuradoria Geral da República anunciou que vai abrir a António Costa, a concretizar-se, constituirá mais uma forte machadada no regime democrático, por ter provocado, pela primeira vez, a demissão de um primeiro-ministro, e a Justiça, em vez de se consolidar como um dos principais pilares do regime democrático, mostrar que afinal é mais um  interveniente activo do jogo político-partidário.

Por tudo isto é compreensível que haja quem se interrogue sobre se esta situação é mais uma crise política ou, mais grave, é uma crise do regime democrático.

Pensem nisso! Até para a semana!

LG, 14/11/2023

Vidigueira Informação

A atualidade informativa do dia.

Mais informações



Rádio Vidigueira

Rádio Vidigueira

Faixa Atual

Título

Artista

Background
HTML Snippets Powered By : XYZScripts.com
WP Radio
WP Radio
OFFLINE LIVE