Crónica de Opinião – Lopes Guerreiro – 03/12/2024
Marco Abundância 03/12/2024
A crónica de opinião de Lopes Guerreiro.
Governo da AD está a esgotar o estado de graça
Os governos, após a tomada de posse, costumam ter um período de uma certa acalmia – a que se convencionou chamar estado de graça -, porque as oposições, designadamente a que foi afastada do poder, aguardam algum tempo para ver como eles se comportam, as prioridades que assumem ou a importância relativa que atribuem ao que fazem ou não nesse período inicial dos seus mandatos.
A duração desse período depende, de entre outras razões, do grau de esgotamento do governo anterior e das expectativas do novo governo, do apoio político-partidário deste na Assembleia da República e da capacidade que o novo governo revele para enfrentar e resolver os problemas mais sentidos, sem se deixar enredar na politiquice.
O PSD, mesmo recriando a AD, não ganhou as eleições por ter convencido os portugueses de que era uma boa alternativa ao governo do PS, mas porque este desperdiçou a maioria absoluta que alcançara, ao não corresponder às expectativas que gerou e ao deixar-se enredar numa série interminável de casos e casinhos, incluindo suspeitas de corrupção, o que levou António Costa a pedir a demissão, por considerar que não tinha condições para se manter como primeiro-ministro.
A AD não foi além de uma vitória eleitoral por poucochinho, elegendo apenas mais dois deputados do que o PS, o que só novas eleições, que ninguém desejava, ou um acordo parlamentar estável com o Chega ou com o PS poderia permitir-lhe governar e legislar como pretendia. Mas esta hipótese foi descartada por Luís Montenegro ter recusado um acordo com o Chega e por Nuno Pedro Santos o ter recusado logo na noite das eleições, ao afirmar que o PS iria ser oposição os governo da AD. Face a esta situação e depois de terem sido evitadas novas eleições, restou a Luís Montenegro fazer uma governação à vista, tentando obter o apoio de um ou de outro partido conforme as matérias em questão, o que se torna mais difícil com a imprevisibilidade e a retaliação do Chega por não ter sido convidado para o governo.
Luís Montenegro, talvez por não acreditar que ia ganhar as eleições, criou grandes expectativas ao prometer resolver muitos problemas em pouco tempo, continuando nessa linha mesmo depois das eleições e até mesmo quando já estava no governo, como foi a promessa mais simbólica, na Saúde, de acabar com os frequentes encerramentos de urgências médicas, as listas de espera para cirurgias e consultas e garantir médico de família a todos os portugueses, tudo em pouco tempo.
Decorridos nove meses do governo da AD, verifica-se que aqueles problemas na Saúde não só não foram resolvidos como, nalguns casos, se agravaram ainda mais. E o mesmo aconteceu noutras áreas, como na Educação, com as dificuldades no arranque do ano lectivo a manterem-se, apesar das inúmeras promessas e medidas.
Para além das situações apontadas, o governo mostrou grandes dificuldades na reacção a fenómenos como os incêndios ou a onda de crimes contra pessoas e bens públicos e privados registados na Área Metropolitana de Lisboa, na sequência da morte de um homem pela polícia. Mas, por outro lado, mostrou uma grande pressa em substituir as lideranças de diversos serviços e empresas públicas e outras entidades que tutela, por pessoas da sua confiança política, independentemente das avaliações do mérito da actividade desenvolvida pelos substituídos.
A impreparação e falta de capacidade política de alguns membros do governo para tratar matérias mais complexas ou sensíveis tem-se vindo a evidenciar, como os casos e casinhos, que caracterizaram o último governo de António Costa, também já começaram a surgir neste governo de Luís Montenegro.
A semana passada foi bem reveladora de como este governo já está a esgotar o seu estado de graça. O ministro da Educação, depois de ter repetidamente garantido que o número de alunos sem professor tinha diminuído 90%, foi obrigado a reconhecer que os números que usou estavam errados. E o primeiro-ministro marcou uma conferência de imprensa, em horário nobre, com solenidade e a presença das ministras da Administração Interna e da Justiça e dos líderes das polícias, para anunciar que Portugal é um dos países mais seguros do mundo mas que precisa de não se deixar adormecer à sombra da bananeira… Ou seja, na semana em que o Orçamento de Estado foi aprovado e fica com condições para governar com normalidade, o governo envolveu-se nalgumas embrulhadas difíceis de explicar.
Até para a semana! LG, 03/12/2024